quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Filme do Desassossego - João Botelho

«Passam casais futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com pressa de prazer, fumam no seu passeio de sempre os reformados de tudo, a uma ou outra porta reparam em pouco os vadios parados que são donos das lojas. Lentos, fortes e fracos, os recrutas sonambulizam em molhos ora muito ruidosos ora mais que ruidosos. Gente normal surge de vez em quando. Os automóveis ali a esta hora não são muito frequentes; esses são musicais. No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.»
Bernardo Soares


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Jóhann Jóhannsson @ Teatro Maria Matos

(antes de ler, pressione o play)
Com um piano e dois computadores, Jóhann Jóhannsson cria um território e assume o seu comando. Ao lado dele, as quatro cadeiras que antes estavam iluminadas por uns feixes de luz pálida, passam a estar preenchidas pelo quarteto de cordas Iskra Spring Quartet. Dois homens, duas mulheres como se já tivessem sido escolhidos para criar um equilíbrio que transborda para a música que produzem.
Atrás, imagens, outro espectáculo ou o mesmo? Um rapaz com uma bandeira e depois uma rapariga a brincar com um pêndulo qualquer. Obras, máquinas de construção, o balde de uma caterpillar, um depósito de cimento, as linhas brancas do alcatrão, quase tudo a preto e branco, destorcido, trémulo, em contraste com os sons que saem das cordas, lavados, conscientes, sentimentais. Jóhann Jóhannsson, no final de cada música a agradecer com uma pequena vénia de contornos nipónicos. Quase místico sem nunca chegar a sê-lo, felizmente.
Uma noite de sucesso.
(agora, recline-se na sua cadeira e feche os olhos)



segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Lola - Brillante Mendoza

(o seu neto foi assassinado pelo neto doutra mas o que dói mais é ver que o chapéu de chuva daquela mulher velha não a protege da água toda que cai). Lola é um mergulho numa noite de inverno sem frio nenhum. Nada é cru como são estas frases. Um belíssimo filme, com uma respiração octogenária, cada cena a seu tempo apesar do ritmo nunca abrandar. A câmara persegue incansavelmente as personagens que se deslocam por uma Manila cinzenta. Aquilo que poderia tornar-se numa desgraça inultrapassável é, ali, o isco que se tem para dar sentido à vida. A televisão ligada atrás de um ombro musculado (crédito ou débito?) podia até ser vista como um sinal de normalidade, ou símbolo do trabalho. A outra velha também anda à chuva e são incontáveis os pormenores brillantes de Mendoza. As avós, iguais entre si. E os americanos que se entusiasmam num comboio rural a filmar o miúdo que nem vestido está, iguais a quem?



sábado, 25 de setembro de 2010

sexyMF @ Teatro Maria Matos

Está mais uma vez em cena/exibição a performance/instalação SexyMF de Ana Borralho e João Galante.
A questão não é propriamente a nudez, nem tão pouco a ambiguidade. Em palco estão 13 homens e mulheres e percebe-se muito bem quem é o quê. Se calhar, bem demais. No entanto, as caras aparecem travestidas. As mulheres de barba ou bigode e os homens com cabelos longos, eyeliner, batom e purpurinas pelo corpo todo. São pessoas nuas, sim. Em poses sensuais, também. Mas a indefinição da identidade sexual transmite uma certa repulsa ou incómodo. Atrai, ou não? Há quase um desejo que nada daquilo nos atraía e é apenas um quadro. Depois, o quadro mexe-se. Inevitável. No final, até podíamos ir tomar um café, sim, com muito gosto. E quando estamos mesmo em frente à tela não sabemos muito bem para onde olhar, porque os olhos estão fixos em nós, as mãos tocam nos mamílos, os pés. Traz à tona os complexos para que se lide com eles. Há muita política ali. Ou nada. Apenas assunto para a urbe. Uma piscadela de olho e o sexyMF do Prince substitui o da Ana e do João, Come here baby, yeah U sexy motherfucker.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Toro Y Moi @ Musicbox {23Out}

O processo é simples: vai-se ao Youtube, escreve-se Toro Y Moi, ouve-se Talamak e gosta-se.
Chaz Bundick é o principal responsável por este chillwave-séc.XXI-mais-fim-de-tarde-que-nuvens. O Outono começa hoje, When can we get together again? O que dizes se for dia 23 de Outubro, no Musicbox?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Alva Noto & Blixa Bargeld @ Teatro Maria Matos

Para eles, electricity bem pode ser fiction mas quem assistiu ao concerto de ontem no Teatro Maria Matos não teve dúvidas que aquela descarga de energia foi bem real. Alva Noto e Blixa Bargeld juntaram-se em palco numa incursão experimental de causar arrepios.
A amplitude vocal do ex-guitarrista de Nick Cave, ajudada pela mestria de Noto, permitiu-lhes criar as mais variadas atmosferas: dos clássicos de uma América perdida, ao cinema de terror. As mãos, a expressão, a harmónica e os gritos afinadíssimos de bb contribuíram para a criação de uma experiência sensorial única. Tanto que o momento alto do concerto foi vivido pela maioria dos presentes com as mãos a tapar os ouvidos! Eles bem avisaram que se aproximava uma sequência de 10 minutos baseada num só grito mas não era possível imaginar o que ali viria: a sobreposição dos sons com o volume no máximo provoca um efeito único no aparelho auditivo dos humanos, semelhante a uma chuva torrencial ou ao som de um rádio avariado. No sugar, baby.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Plein Sud - Sébastien Lifshitz

O olhar de Sam - Yannick Renier - sempre fixo no ponto de fuga. O de Mathieu sempre mediado pela câmara. Léa sempre excitada, a mudar de alvo a cada cinco segundos, presa à recusa de uma gravidez ou à procura da saída do labirinto. Plein Sud é um filme de dramas que tentam esbater-se na procurar de um endless summer que teima em não começar. Sam vive atormentado. Léa tenta dominar o indomável. Mathieu balança no meio dos dois. Mais tarde aparece Jérémie com uma fantástica cabeleira encaracolada. A resposta? Que resposta? Hoje há uma festa na praia e tudo fica bem. Amanhã, talvez regressem os meus fantasmas. E, no último mergulho, a paz de aceitar que o Verão sem fim não vai mesmo começar, Tudo Bem, continuemos a viagem.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

L.A. Zombie: The movie that would not die - Bruce LaBruce

Se os Lordi podem ser vencedores do festival da canção porque motivo não nos podemos rir com L.A. Zombie?
A cabeça do monstro verde interpretado por François Sagat emerge das águas do Pacífico. A pele verde, a moleirinha platinada, um sorriso aterrador. No entanto, mal sustem os pés na areia da Costa Leste o plano enche-se com as suas partes baixas e percebe-se que afinal aquele monstro também é homem. Solta-se a primeira gargalhada.
Prevê-se uma série de ataques homicidas, os humanos transformados em mortos-vivos, o mundo inteiro a resvalar para o lado do mal por via de um contágio sem limites. Mas não! Afinal este Zombie até é bonzinho e utiliza o seu pénis curvo para trazer um último momento de vida aos cadáveres que se vão cruzando no seu caminho. Outra gargalhada.
Depois disto apenas um remake exaustivo da ideia inicial intervalado por momentos de descompressão muito bem conseguidos como aquele em que o zombie Sagat entra num restaurante e grunhe por um café ao empregado asiático.
A crítica à América é crua e directa, no entanto, peca por ser fácil. A partir do momento em que LaBruce cumpre o acto corajoso de filmar a primeira cena, todas as outras tornam-se baratas pelo excesso de gozo e de mau gosto.
Experimentalismo que cria repulsa mas não choca. Uma perda de tempo para cumprir um capricho pop. Apenas um cocktail de pornografia-thriller-série-B-homossexual, apenas.





Depois de a Medeia ter feito uma retrospectiva do trabalho do realizador por volta do seu 20º aniversário, e de Otto; or, Up with Dead People ter passado numa edição anterior do Queer Lisboa, esta foi a aparição mais mediática do cinema de Bruce LaBruce no nosso país, talvez como reflexo do escândalo provocado por L.A. Zombie na mais recente edição do Festival de Locarno.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

um eléctrico chamado desejo @ D. Maria II

uma iluminação fantástica aos tons de fim de tarde em Nova Orleães. faltaram, no entanto, os negros, os saxofonistas e os furacões que os meios técnicos do Nacional apenas permitem uns tímidos aguaceiros. ela bem vestida, bem penteada, de saltos altos ou de roupão de banho, a segurar um balão vermelho e a deixá-lo fugir das mãos e eu a desejar "rebenta, rebenta!"